IV - O Dragão Vermelho


- Eu vou fazer a chamada. Como eu não sei o nome de vocês direito, por favor se levantem quando eu chamar, assim eu posso saber quem é quem. 

 

Marian estava em frente à sua  primeira classe em Hogwarts - ironicamente, eram os grifinórios com os sonserinos. Eles tinham duas aulas conjuntas esse ano - DCAT no primeiro tempo, e Poções no segundo. Lendo o pergaminho com os nomes e observando os alunos, ela mantinha um rosto sereno, mas sério. Isso ajudou, porque um sonserino já começou arranjando problemas. Um garoto chamado Draco Malfoy comentou em voz alta algo sobre a pobreza das roupas da professora. Ele teve uma resposta à altura da ofensa.

 

- Escute aqui, Malfoy, ou você fica quieto ou você realmente vai ter o que fazer no fim da semana. 

- E se eu não ficar quieto?

- Você pediu... - ela disse, rangendo os dentes.

 

Uma detenção, pontos a menos para Sonserina, e uma tremenda bronca que deixou o garoto mais pálido do que ele já era. As janelas tremiam com a voz de Godrichild falando, alunos se encolhiam atrás das cadeiras. No fim da classe, ela passou a lição de casa ("Descreva os métodos de apagemento de memória, suas vantagens e defeitos. Mínimo quarenta centímetros de pergaminho") e chamou Hermione à frente. Ela foi, com Harry e Ron.

 

- Garota, tô para ver. Você mandou na aula hoje! Meus parabéns!

- Ela é sempre assim, professora - Ron respondeu, com uma ponta de ironia.

- Você bem que podia participar mais na aula, Weasley - Marian retornou para Ron - Falando nisso, aqueles dois gêmeos ruivinhos, são seus irmãos? 

- Sim. Fred e Jorge, são meus irmãos mais velhos.

- Devolve isso para eles, por favor - Marian disse, entregando uma varinha de borracha na mão de Rony, que ficou roxo de vergonha - Os engraçadinhos deixaram isso no meu escritório hoje de manhã. Presentinho de boas-vindas, eles disseram. Precisei da minha varinha para achar minha escova de cabelos - e quando vou ver, estou com um arenque nas mãos, ao invés da escova!

 

Os três riram, e começaram a sair. Marian acompanhou-os com o olhar, sorrindo. Até que aquela varinha falsa era divertida. Chato era o cheiro de arenque que acabou ficando na sua sala.


Marian decorou seu escritório-dormitório com fotos de seus amigos, uma bandeira do Brasil com estrelas que brilhavam no escuro presa na porta, flores na janela, e a gaiola de Gaia em cima da mesa. Livros em todos os cantos, um caldeirão auto-mexediço num canto, uma caixa de bolos de caldeirão, pergaminhos enrolados em todos os cantos. O cheiro de arenque tinha diminuído bastante, e ela agora corrigia textos, sentada à sua mesa, com velas iluminando o quarto. As mangas do robe tinham sido levantadas, revelando a ferida no pulso que ela escondia a maior parte do tempo.

Alguém bateu na porta.

 

- Pode entrar! - Marian gritou, ainda com os olhos no texto de Neville Longbottom.

 

Era Severo Snape, e ele não estava contente.

 

- Senhorita Godrichild?

- Professor Snape? - ela sorriu - O que traz o senhor aqui?

- Isso aqui é seu? - ele disse, entregando a notificação de detenção de Malfoy.

- Sim, eu passei essa nota hoje.

- Quem você pensa que é para fazer isso?

- Uma professora, como você. - Marian disse, sobrancelhas arqueadas. - O Malfoy não é seu filho, é?

- Pergunta idiota. Claro que não!

- Então o que você tanto reclama, Snape? Ele fez por merecer a detenção e vai cumpri-la, você querendo ou não!

 

Snape olhou para a cicatriz no pulso. E sorriu.

 

- Seu pai era um homem muito inteligente, Marian. Mas toda a inteligência dele não salvou seu irmão da morte. Diga a ele que eu lhe disse isso. Ele vai se lembrar de mim.

 

E ele saiu da sala. A ferida latejava desesperadamente. Marian sentou e por pouco, muito pouco, não mandou um raio na cabeça de Severo Snape.


Os meses passaram, e Marian conquistou os corações dos alunos. O bom humor (desde que você não a provocasse) e a seriedade com que levava as aulas conquistavam os alunos. Só Draco Malfoy resolvia implicar com ela, e ela dava o troco à sua moda - usava o filho de Lúcio Malfoy como cobaia para explicar sua matéria. E ai dele se recusasse. A fúria de Godrichild movia céus e terras, e fazia janelas chacoalharem e alunos que passavam no corredor saírem correndo, achando que havia um trasgo ou um dragão na sala.

 

Nas corujas que enviava aos pais, Marian se recusava a contar aonde estava. Dizia que estava bem, em "uma escola na Inglaterra", que recebia um salário bom e que não iria para São Paulo para o Natal. Não queria sair de Hogwarts por nada, e não queria ter de explicar para o pai que estava na escola onde ele estudara. Ele com certeza começaria a dizer o quanto Finnigann se destacaria em Hogwarts, e Marian não estava mesmo a fim de ouvir a mesma história outra vez.

 

Como era a mais jovem do grupo de professores, Marian virou uma espécie de "mascote" do corpo docente. Ela tomava chá com a professora Sprout, discutia quadribol com Flitwick e o Prof. Vector, de Aritimancia (dois fanáticos pelo Liverpool Lions, como ela), ajudava Hagrid com suas abóboras e era "freguês" nos jogos de xadrez com a professora Minerva. Só Snape a odiava, e fazia isso abertamente. Marian também não tinha muita paciência com o mestre de Poções. Chegaram a discutir no meio do corredor, outra vez por causa de uma detenção de Malfoy. Ninguém nunca viu Marian tão nervosa na vida e era preferível que não tivessem visto mesmo. Snape se escondeu atrás de uma estátua, com medo do que ela poderia lhe fazer. E não fosse o professor Dumbledore aparecer, Severo Snape tinha virado fumaça em dois tempos.

 

- Ela é muito inteligente. - Rony disse, na sala comunal de Grifinória.

- O Snape é tão inteligente quanto ela, e veja só o que aconteceu - comentou Hermione - Não sei o que teria acontecido se o professor Dumbledore não tivesse chegado.

- Ele bem que poderia não ter aparecido, né? 

- Ron!

- É mesmo. A Marian bem que poderia ter acabado com ele. Faria um favor à humanidade.

- E você, Harry? O que você acha?

- De quem?

- Você não estava prestando atenção? - Hermione perguntou.

- No quê?

- Ele não estava prestando atenção. - confirmou Ron, com uma risada - A gente estava falando da Marian Godrichild.

- Ah, ela. 

 

Harry ajeitou os óculos no rosto e pareceu pensar por um momento. Marian lhe era estranhamente conhecida, e eles nunca haviam se visto antes. Ele pensou na possibilidade de ela ser uma parente distante, mas ele não sabia se seu pais tinham irmãos. No escritório de Godrichild, entre outras tralhas, havia o porta-retrato com os pais dela, sorrindo. Talvez eles conhecessem Tiago e Lílian Potter. Quem sabe?

 

- Harry?

- O que foi?

- A gente tem que ir para a aula. - Ron disse 

- Vocês fizeram a lição de casa? - Hermione perguntou.

- Foi difícil - Ron suspirou - Um metro de pergaminho sobre múmias! Nunca enchi tanta lingüiça na minha vida...

 

Os três entraram na sala. Marian estava atrás de sua mesa, conferindo alguma coisa. Depois, encarou a classe, sorrindo.

 

- Bom dia, pessoal. Quem escreveu o texto sobre as múmias queira entregar, por favor... Nossa, Hermione, eu pedi um metro só!  OK, Lino, pode colocar aqui...Ron...Senhorita Pansy, isso é a sua lição? Deus do céu...OK, Harry...Colocou o nome no texto? Então se sente, por favor. Draco Malfoy, deixe-me ver...um metro justinho. Certo. Pode se sentar... Crabbe, Goyle... er... eu acho que vocês precisam escrever bem mais para dar um metro de pergaminho... OK. Neville, seu texto, por favor? Obrigada... Pavarti, já terminou? Coloque seu nome e entregue, por favor. Certo, todo mundo já entregou os textos? Perfeito. Sentem-se por favor. Você também, Weasley, quer parar de ficar falando com o Harry? E você também, Malfoy, se eu ouvir sua risadinha mais uma vez!...

 

A aula, explanatória, foi divertida. Até os sonserinos, que não iam muito com a cara de Godrichild,acabaram gostando. Quando os alunos saíram para a aula de Poções, Mairan viu a vice-diretora McGonagall entrar na sala.

 

- Podemos conversar um pouco, Marian?

- Claro. Aqui mesmo, ou quer ir para outro lugar?

- Acho que podemos ficar aqui mesmo. 

 

Marian se sentou na ponta da mesa, olhando McGonagall fixamente, tentando ler a expressão de seu rosto. Nunca a vice-diretora lhe pareceu tão sombria e preocupada. 

 

-  Marian, seus pais sabem que você está aqui em Hogwarts?

- Não, professora, eles não sabem.

- Sua sinceridade me assusta, Marian.

- Por que eu deveria mentir? Meus pais não sabem que eu estou aqui, e eu não desejo contar. A senhora conheceu meu pai, não?

- Keith Godrichild? Foi o melhor aluno que tivemos em Poções em seu tempo.

- É, eu sei. E só existe uma pessoa que lhe faz sombra. Uma pessoa que não existe.

- Finnigann?

- Como a senhora sabe?

- Tenho amigos no Gringotes. - ela sorriu - Seu pai realmente o amou, não?

- Mais do que ele poderia me amar um dia. Ele pensa que Finnigann seria tudo que ele sonhou. E eu não posso competir com um filho de sonho.

- Você foi bem mais alto do que Keith poderia sonhar, Marian. Mas não é essa a razão de minha visita. Eu perguntei se seus pais sabiam que você estava aqui porque isso chegou para você via coruja...e eu conheço sua família, isso é um presente importante.

 

McGonagall estendeu para Marian um escudo de estanho, com um dragão vermelho pintado na frente. Segundo o que ela entendia das tradições da família, aquilo era um presente e tanto - raro, porque pertencera a seu avô, Thomas Godrichild, e (Keith o dissera várias vezes) pertenceria a Finnigann quando ele crescesse. O centro do escudo estava um pouco afundado - na imaginação de Marian, era ali que o assasino de Thomas teria atacado-o primeiro. Podia ver a expressão de seu avô, que ela só conhecia de fotos, com seus olhos arregalados, mas se recusando a se entregar para seu algoz. Ela faria a mesma coisa, se estivesse no seu lugar. Se recusaria a desistir.

 

- Bom, eu não sei quem enviou isso, mas agradeço por ter me entregado, Minerva.

- Não agradeça. Apenas faça bom uso dele.

 

E ela saiu da sala. Marian encarou o escudo, como se estivesse olhando para Thomas Godrichild. E sorriu, ainda que por um instante. Se Thomas estivesse vivo, será que ele teria orgulho dela?


Chegara a manhã de Natal, e Hogwarts tinha três metros de neve em todos os campos. Marian acordou embrulhada nos cobertores, sem esperar presentes ou cartões, mas teve uma bela surpresa. O pé de sua cama estava cheio de pequenos pacotinhos e envelopes. Ela ganhara uma suéter do professor Flitwick, um jogo de xadrez de bruxo da professora Sprout e pilhas de cartões dos alunos. Dos irmãos Weasley, ela ganhou uma varinha falsa que soltava estrelinhas de borracha. Criação de Fred e Jorge, contou Ron no cartão. Por via das dúvidas, Marian deixou o presente bem longe de sua varinha de verdade. Hermione enviou uma caixa de sapos de chocolate ("meus prediletos!", Marian pensou para si mesma) e Harry, uma caixa forrada de bolos de caldeirão. Hagrid enviou um vaso de violetas maior que um repolho, o que era típico dele.

Godrichild caminhava pelos corredores da escola, pensando em que escrever para os pais. Ainda não tinha enviado um cartão de Natal para os dois, e nem queria. Não sentia vontade nem necessidade de conversar com os pais. No almoço de Natal, com poucos alunos reuindos com os professores, Marian até esqueceu de Keith e Sheila. Depois, se meteu em uma guerra de bolas de neve com Fred, Jorge, Ron e Harry. Nunca se divertira tanto, desde que fez parte da equipe de queimada de seu colégio, há muitos e muitos anos atrás. Ela bem que tentou explicar para os garotos como se jogava queimada, mas parecia que nada que não usava bolas voadoras ou vassouras poderia chamar a atenção deles.

A noite chegou, e Marian ficou zanzando pelos corredores, sem ter o que fazer. Sentou-se em um dos degraus de uma escadaria, e olhou para o nada por alguns instantes.... Até que um barulho começou a incomodá-la. Ela voltou-se para trás, mas não havia ninguém. Só uma grande fileira de armaduras.

 

- Pirraça, se for você... - ela sussurrou, varinha na mão, pronta para atacar se fosse preciso.

 

O barulho continuava, como um sussurro no vento. Pareciam vozes vindas de longe, muito longe, mas não havia viva alma em metros de distância. Marian apurou o ouvido, mas tudo o que ela conseguia escutar eram sussurros, que pareciam cada vez mais claros...

 

"Uma Godrichild...uma Godrichild...a filha de Keith...a filha de Sheila...Dragão Vermelho, Harry é seu primo... defenda-o...por mim..."

"Quem diabos está falando?", Marian perguntou, cada vez mais com medo. 

"Defenda Harry... sua mãe...prometeu... Dragão Vermelho, você precisa cuidar de seu primo...defenda-o...de Voldemort..."

"Eu não sou a herdeira daquele escudo, dona.", Marian disse para a voz. "O dono daquilo morreu quando era um bebê. Eu sinto muito."

"Você é a herdeira do escudo e do nome da família, Marian...eu sei...seu pai nunca pôde ver..."

"Quem diabos é você?"

 

A voz parou de falar. Em compensação, ganhou corpo. Uma jovem da idade de Marian, com longos cabelos pálidos e tristes olhos que, por um minuto, lembravam os olhos de Sheila, quando ela falava de Finnigann.

 

"Você se parece com a sua mãe...", o espírito sorriu. 

"Quem é você?"

"Lílian...Lílian Potter..."

"A mãe do Harry!", Marian exclamou.

"Sua mãe me prometeu que ela cuidaria de Harry como ela cuidaria de você... Por favor...ela não pode cumprir a promessa...mas você pode..."

"Minha mãe? Ela conhecia..."

"Ela é minha irmã... Godrichild, você herdou mais do que sabe..."

 

E tão depressa quanto esse fantasma apareceu, ele desapareceu. Marian, presa no chão, olhava desesperada para todos os lados. Seus pés lhe enviaram para o único lugar onde ela poderia contar com ajuda - a sala de Alvo Dumbledore. Ela parou na porta, sem se lembrar da senha, mas isso não importou. Ela começou a bater na porta, cada vez mais alto, até que a porta se abriu do nada. Marian entrou na sala. Somente Fawkes, a fênix de Dumbledore, estava na sala.

 

- Oi, oi, bonitinho - Marian disse, afagando as penas escarlates do pássaro - Seu dono não está por aí, né?

- Como você entrou aqui, Marian?

 

Era Dumbledore. Marian se voltou para ele, e sorriu, tímida.

 

- A porta abriu. - ela disse.

-  Essa porta nunca abre sem a senha...a não ser quando a pessoa realmente precisa falar comigo.  Agora se acalme, e me diga o que aconteceu.

 

Marian sentou-se na primeira cadeira que apareceu e falou por quase uma hora - sobre Finnigann, e o escudo que Minerva lhe entregou, e o fantasma de Lílian Potter e todos os medos que passavam por sua cabeça - sobre ser esquecida e ignorada pelos pais, sempre preterida pelo fantasma do irmão, sobre a fuga para Cymru Gaia. Quando ela finalmente terminou, ela estava esgoatda. Dumbledore olhou para a jovem com um olhar de pena e medo.

 

- Marian... eu não sabia que seus pais esconderam a verdade de você. Eu conheci Keith Godrichild, por muito tempo depois dele sair de Hogwarts....eu não sabia que ele iria fazer isso com você.

- Me conte o que eu não sei, então. Me conte o que eles deveriam ter dito.

- Pois bem. Harry é seu primo. Sua mãe, Sheila, tinha duas irmãs, Lílian e Petúnia. Lílian era uma grande amiga de seu pai, e foi Keith que a apresentou para o pai de Harry. todos eles tinham uma estranha ligação...pois Voldemort os queria mortos, eles atrapalhavam a subida dele para o poder. No caso da sua família, os descendentes dos guardiões de Avalon... Voldemort queria matar todos os herdeiros do sangue dos Godrichild...pois se um sobrevivesse, ele nunca conseguiria chegar ao poder.

- Bom, ele conseguiu o que que queria, não?

- Como assim?

- Ele matou meu avô e meu irmão...e inutilizou meu pai com ódio e medo... Voldemort vai poder voltar ao poder e ninguém vai poder impedir...

 

Dumbledore sorriu, no entanto.

 

- Voldemort matou um inocente. Um trouxa.

- Finnigann era um trouxa

- Tão sem magia quanto sua mãe, Marian. Aquele escudo pertence a você. Você é a herdeira de Thomas Godrichild. Seu pai pensa - e eu até entendo - que para ser um guerreiro é preciso nascer homem, o que não é verdade... Você é uma guerreira, Marian, digna de seu sobrenome como seu pai ou avô.

 

Marian olhou para Dumbledore, desesperada. De repente, tudo fazia sentido. Talvez Keith pensasse que ela tinha "tomado o lugar" de Finnigann, o que não era verdade...como ela poderia saber...e...

 

- Professor Dumbledore?

- Sim?

- Eu preciso ver meu primo. Eu preciso falar com Harry. 

 

Continua...

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