III - Estranha no ninho


Marian Godrichild cresceu entre os trouxas brasileiros. Aprendeu a falar português com facilidade e, não fosse a extrema palidez de seu rosto e os olhos verdes contrastando com o cabelo escuro, ninguém poderia dizer que aquela garota era "gringa". Mas ela era, e seus pais eram o retrato dos estrangeiros em São Paulo. O pai trabalhava em um banco e a mãe dava aulas de inglês, e eram os dois brancos como bichos de goiaba. O fato do pai trabalhar no braço brasileiro de Gringotes, o banco dos bruxos, e da mãe dar aulas para gente que carregava varinhas por aí não era conhecido dos amigos e vizinhos de Marian, que acreditavam firmemente que bruxos só existiam nos livros.

 

Não se poderia dizer que a vida de Marian foi fácil. Os pais eram estritos com ela, e, apesar de mostrar talentos mágicos e de ser chamada para as melhores escolas de bruxos do país, Marian foi obrigada pelos pais a estudar em colégios normais, junto com os outros trouxas. O que Marian não pôde estudar em uma escola decente, ela aprendeu em casa, lendo os livros dos pais e treinando no quintal. Nem mesmo a oposição de Keith pôde evitar que, aos 18 anos, Marian se tornasse a mais jovem professora de Defesa Contra as Artes das Trevas no Brasil, dando aulas na renomada Academia Brasileira de Magia. Aos 22, foi convidada para dar aulas em Cymru Gaia por seis meses, e precisou arrebentar a parede do quarto com um feitiço, porque Keith tinha colocado um baú na frente da porta, para impedi-la de sair de casa.

 

 Marian sabia a razão de tanta raiva por ela ser tão inteligente. Era tudo por causa de Finnigann, o irmão que ela nunca conheceu direito. Ele tinha sido morto por Você-sabe-quem quando era um bebê, e o coração de Keith tinha morrido junto. Finnigann era o único filho que Keith e Sheila tiveram e era o último herdeiro dos Filhos do Dragão, o clã dos Godrichild. Marian nunca contava como herdeira de nada, porque Keith praticamente ignorava sua presença. O que mantinha Marian viva era o amor de Sheila e os estudos. Ela queria saber como derrotar o mal que matara seu irmão. E ela se esforçava para se exceder, para ser mais forte e mais inteligente, mas tudo o que ela conseguia era o silêncio do pai. Ela poderia trazer a cabeça de Lorde Voldemort em uma bandeja - seu pai teria achado que Finnigann teria feito bem melhor.


Os seis meses em Cymru Gaia foram o grito de liberdade de Marian. Acabado o período de aulas, ela foi chamada por Alvo Dumbledore para dar aulas em Hogwarts. O professor local havia se demitido, e ela era a única pessoa que podia pegar o emprego. Ela pensou em consultar os pais, mas ela já sabia que a resposta seria negativa, e aceitou sem contar para Keith e Sheila onde ela iria trabalhar. Disse apenas (em uma coruja-telegrama, brevíssima) que tinha arranjado emprego "em um colégio na Inglaterra", e que não voltaria à São Paulo tão cedo.

 

Com o adiantamento do salário, Marian comprou uma coruja de segunda mão (batizada de Gaia em homenagem ao colégio onde começara sua carreira internacional) e partiu para o norte da Inglaterra, no Expresso de Hogwarts. Difícil foi entrar na estação de trem em Cardiff, a capital do País de Gales. A estação em Londres fica entre as estações nove e dez. Em Cardiff, ela ficava atrás da porta de um banheiro que nunca funcionava. A dificuldade foi passar o baú com caldeirão, material para poções, livros e todo o resto, pela portinha do banheiro. Foi complicado, para dizer o mínimo.

 

Uma vez dentro do trem escarlate, ela tentou achar um lugar para sentar. O único lugar vago estava em um compartimento onde um garoto de cabelos pretos e de óculos conversava com um ruivo e uma garota de cabelos encaracolados e dentes da frente um pocuo grandes. 

 

- Tem lugar aqui? - Marian perguntou.

- Claro, senhora. - a garota sorriu, tirando um gato do banco. Marian colcou a mala à sua frente ( o caldeirão e todo o resto tinha sido levado para outro compartimento ) e olhou para a janela. E tentou puxar conversa com os três alunos, que olhavam para ela estranhamente.

 

- De que ano vocês são?

- Quarto - o ruivo respondeu, olhando Marian de alto a baixo. 

- Vou dar aula para vocês, então.

- A senhora é professora? - a garota perguntou.

- Sim. Meu nome é Marian Godrichild. - ela disse, estendendo a mão ao ruivo, que respondeu sorrindo.

- Eu sou Ron Weasley. - e ele chacoalhou mãos com Marian.

- Hermione Granger. - a menina se apresentou.

- Harry Potter - finalmente falou o garoto de óculos. Agora que Marian reparara - ela tinha uma cicatriz na testa. Parecia muito com a cicatriz que Marian tinha no pulso, souvenir do ataque que matou Finnigann há tantos anos. Mas ela não falou nada, por enquanto. Apenas sorriu e percebeu outra coincidência, que ela pôde falar em voz alta.

 

- Temos olhos parecidos, Potter - ela disse, tirando o  cabelo dos olhos e mostrando seus olhos para os três. Harry sorriu, e Marian continuou falando - Quarto ano, vocês disseram? Legal. Eu nunca dei aulas para ninguém além do terceiro ano.

- Onde você dava aulas antes? - perguntou Hermione.

- Em Cymru Gaia, no País de Gales. 

- Como era lá? - Harry perguntou.

- Muito legal. Metade das aulas são em galês, é complicado mas depois você entende tudo. Ah, e ventava pra caramba lá. E era um castelo cheio de janelas, então eu vivia encapuzada até as orelhas. Não estou acostumada com esse frio.

- De onde você é? - Ron perguntou, com as sobrancelhas meio erguidas, não entendendo como alguém conseguia sentir tanto frio.

- Eu? Nasci aqui perto, em Opal Moor. Mas fui criada no Brasil. Por isso não acostumo com o frio. Mas me digam, como é Hogwarts? Vocês também são divididos em casas? 

- Somos. - Hermione se mostrou contente em, pelos próximos dez minutos, explicar como era a escola. Marian ouviu com atenção, mas depois que ouviu a palavra "quadribol", começou a conversar com Ron sobre as chanches dos Chudley Channons (time de coração do Weasley)  e dos Liverpool Lions (time de Marian) na Liga Inglesa. E ficou contente quando ouviu que Harry era o apanhador mais jovem da escola, e que já tinha garantido um título para sua casa.

 

- Ora, vejam. Estou com celebridades, então? - Marian sorriu. - Eu adoro quadribol. Os Liverpool Lions só me causam tristeza, mas eu aindo torço por eles. Fazer o quê...

- Eu esqueci de perguntar... a senhora vai dar aulas do quê? - Hermione perguntou.

- Defesa contra as artes das trevas. E você pode me chamar só de Marian, viu? 

 

Nisso o trem parou. Eles haviam chegado. Marian se levantou.

 

- Bom, Harry, Ron, Hermione, eu vejo vocês por aí.  Boa sorte, certo?

- Para você também, Marian! - Hermione sorriu. 

 

Marian enrolou um cachecol verde e azul - as cores dos Liverpool Lions - no pescoço, e ficou procurando o meio de transporte para o castelo. Um sujeito mais alto que um poste, com uma barba que era grande demais para existir, chegou perto dela.

 

- A senhorita é Marian Godrichild?

- Eu mesma.

- O professor Dumbledore pediu para que eu viesse buscá-la.

- Ah, obrigada. - Marian sorriu - Vamos como para o castelo?

- Os alunos do primeiro ano vão atravessando o lago. Os outros vão naquelas carruagens ali - o gigante apontou um grupo de alunos entrando nos carros. 

- E eu vou com quem? 

- Comigo, senhorita, junto com os barcos.

 

Marian estava nervosa, mas tentava não demonstrar. Mas tudo foi por água abaixo quando o barco atravessou o lago e chegou do outro lado. O castelo de Cymru Gaia caberia tranqüilamente no quintal de Hogwarts. Ela olhava as torres admirada, sem saber como é que ela ia se achar no meio daquele lugar imenso. Era maior do que qualquer outro lugar que ela já estivera antes, e por mais que ela parecesse boba, ela não conseguia parar de olhar.

 

- A senhorita entra por aquela porta. A professora McGonagall vai recebê-la antes dos alunos.

- Certo. Obrigada...

- Hagrid. Rúbeo Hagrid.

- Obrigada, Hagrid. 

 

Marian encarou a porta de mogno pesado, e bateu. A porta se abriu de repente, e uma senhora de cabelos pretos e robes verdes a encarou. Era Minerva McGonagall, a vice-diretora de Hogwarts. A primeira impressão que Marian teve foi que não gostaria de enfrentar McGonagall em um duelo.

 

- Senhorita Godrichild. - ela sorriu levemente.

- Boa noite, Professora McGonagall. - Marian sorriu de volta.

- Venha comigo, por favor.

 

Marian entrou no castelo, pé ante pé, e a porta se fechou atrás dela com um grande estrondo. Ela pulou com o susto, mas McGonagall parecia não se importar.Marian sorriu, um pouco nervosa (e não querendo passar por boba bem na frente da vice-diretora). 

 

- Professora McGonagall...eu devo confessar que estou perdida! - Marian riu, nervosa. - Nunca estive em um lugar tão imenso antes. 

- Não se preocupe. Em pouco tempo você irá se acostumar. Pois bem, Godrichild, conforme a coruja que eu lhe enviei, você terá um escritório-dormitório junto com os outros professores aqui em Hogwarts. O sistema de provas e notas é unificado, então não é muito diferente de Cymru Gaia ou a Academia Brasileira de Magia.

- Certo.

- Você tem mais alguma dúvida?

- Sim. Uma. Mas... deixa para lá.

- Pode perguntar.

- OK. Eu sou doida por quadribol. Soube que vocês tem um campeonato inter-casas. Quando começa?

- No primeiro dia de aula após o Dia das Bruxas.

 

Marian sorriu de novo, e seguiu com McGonagall para o Salão Central. Lá, todos os outros alunos já estavam esperando. Marian pôde ver Harry, Ron e Hermione na mesa debaixo de um grande estandarte com um leão dourado. Lembrando dos Liverpool Lions, Marian abriu um sorriso.

 

- Professora McGonagall? 

- Sim? 

- Eu esqueci de perguntar quais são as casas aqui em Hogwarts. Eu estou acostumada com Cymru Gaia, que só tem duas casas...

- Ah, claro. Aqui em Hogwarts temos quatro casas. Corvinal - aquela com a águia.... Lufa-Lufa - o estandarte amarelo com o texugo... aquela com a serpente é Sonserina...e aquela com o leão é Grifinória. 

-  Lufa-lufa, Corvinal, Sonserina, Grifinória. - Marian repetiu. Passando os olhos pelas mesas, vendo alunos com seus uniformes negros ( a Academia tinha uniformes verde-garrafa, em Gaia eles eram vermelhos) e seus chapéus pontudos. Depois, ela olhou para os professores. Sentado ao seu lado estava um baixinho (Prof. Flitwick, que ensinava Feitiços), e um senhor alto, da idade de seu pai, cabelos oleosos escorrendo pelo rosto de nariz pontudo. Aquele era Severo Snape, professor de Poções, e ele a encarou de repente, pensando tê-la reconhecido.

 

- Sheila? 

- Não. - Marian respondeu - Filha dela.

- Pela barba de Merlin, não me diga que você é a Marian, filha do Keith Godrichild?

- Eu mesma.

 

Marian sentiu um tom de desprezo na voz do professor.

 

- Não acredito que justo você vai dar aulas aqui. Fui colega de seu pai aqui. 

- É mesmo? 

- Sim...espero que você não seja tão teimosa quanto ele. Keith Godrichild era um bruxo insuportável.

- Assim como o senhor, pelo visto!

 

Snape a olhou furioso, e Marian devolveu o olhar. Apesar de ter seus problemas com Keith, ele era seu pai, e ela o amava como todos os filhos amam seus pais. Ela se voltou para a frente, vendo Harry na mesa de Grifinória. "Engraçado como a gente se parece", pensou Marian, enquanto encarava o prato na sua frente. Queria que seu pai e sua mãe soubessem que ela estava em Hogwarts. Mas eles nunca entenderiam. Como eles poderiam? Finnigann era tudo o que eles pensavam, e Finnigann estava morto. E ele morto valia muito mais do que ela viva.

 

Continua

Volta ao índice