Caldeirão Furado

Eles se encontraram no Caldeirão Furado.  Ela era alta e tinha cabelos escuros e embaraçados, olhos claros como o dia; vestia um vestido azul-escuro preso ao corpo por uma fita xadrez e tinha os pés descalços - o que denunciava duas coisas, sua pobreza e sua terra natal. Só os escoceses se vestiam de xadrez - era o tartan, tecido de cores diferentes que distinguia as famílias de guerreiros. E sapatos, naqueles dias, eram coisa para os muito ricos.

Ele era tão alto quanto ela, tinha cabelos castanhos caindo pelo ombro, olhos verdes e um nariz estranho. Vestido de vermelho escuro, como o filho de um lorde ou de alguém da nobreza, ele certamente chamava a atenção no escuro e triste bar que era a porta de entrada do Beco Diagonal, o gueto dos bruxos.

Cansada e morrendo de fome, mas sem um nuque para salvar sua pele, Rowena apenas observava as mesas sem conseguir respirar. Seu mais famoso truque de Transfiguração era bom, mas ser uma águia cortando o céu de dois países em um só dia deixava qualquer um exausto. Godric pareceu ler seus pensamentos, e sentou-se à mesa com um prato imenso de salsichas.

 

- Coma quanto você conseguir - ele sorriu - Acho que você vai precisar.

 

Ela não perguntou quem ele era nem o que ele estava fazendo ali - o cheiro das salsichas a deixou muda. Depois de quase limpar o prato (ele ainda estava ali, observando), ela perguntou quem ele era.

 

- Meu nome é Godric.

- Rowena - ela estendeu a mão, com um sorriso - Obrigada pelas salsichas.

- Você parecia estar morta de fome.

- E estava! Fiz uma... Bom, foi uma longa viagem.

- Vai ficar por aqui?

- Não tenho mais para onde ir. Vou ver se alguém está precisando de empregada ou balconista no Beco.

- De onde você veio?

- Falkirk, Escócia. E você?

- Daqui de Londres mesmo.

- E você veio para ficar ou veio para ir embora?

- Eu não sei.

- Como não sabe?

- Eu não tenho para onde ir.

- Nem eu. Podemos procurar um lugar para ficar juntos. Quem sabe não achamos? Com essa sua pinta de lorde dos trouxas, talvez alguém se comova.

 

Ele olhou para as roupas, sem saber o que dizer.

 

- Pareço um trouxa...

- Não era a intenção?

- Não. Eu fui criado entre trouxas, mas eu sei quem eu sou.

 

Rowena olhou para o prato vazio, sem saber o que dizer para aquele rapaz tão estranho. Resolveu observar o bar - nunca tinha visto tanta gente "igual a ela", e tão à vontade com a condição de bruxo. Se sentia feliz em estar longe de Falkirk, apesar da fome (ainda persistente) e de saber que não tinha para onde ir nem aonde ficar. Sabia - como sempre - que tudo estava para acabar bem. Alguma coisa lhe dizia que podia confiar naquele garoto estranho - o que é que ela tinha mais a perder?

 

- Eu digo, vamos dar uma volta - Godric sorriu, se levantando da cadeira - Quer vir?

- Pois vamos - Rowena respondeu com um sorriso desconfiado.

 

E os dois saíram para o Beco Diagonal. Não como os bruxos faziam naqueles dias - o homem seguindo na frente e a mulher três passos atrás. Rowena e Godric caminhavam lado a lado, ombro a ombro no meio da rua. E assim entraram, caminhando para o que (eles não sabiam ainda) seria o seu destino.

Continua

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