Ela olhou para o céu nublado, prometendo chuva, e respirou fundo. Olhar para os vastos campos da Escócia, sua terra natal, sempre lhe fizera bem. Sentia-se a salvo dos olhos de todos ao ver aquela imensidão de pastos verdes e montanhas, as ovelhas e seus pastores indo para casa, os raios prateados cortando o céu. Queria espairecer, ficar menos furiosa.

Sempre os homens do vilarejo, ela pensou com raiva. Sempre fazendo gracinhas, comentários idiotas. Querendo mais do que olhares, mais do que ela poderia um dia oferecer a qualquer um deles. E sempre se referindo a ela como "a estranha Rowena, com aqueles livros estranhos".

Como se eles soubessem, por algum momento que fosse, para que os livros serviam! A maioria dos homens no vilarejo não sabiam ler. Leitura era para os ricos - mas os lordes do castelo, o único que Rowena conhecera antes de Hogwarts, também não sabiam ler. Leitura, para eles, era coisa para os padres - mas o único religioso que Rowena conhecera em sua vida achava que ela deveria ir para a fogueira porque ela era "uma adoradora do Diabo".

O Diabo, Rowena bem sabia, era uma invenção do homem para justificar o que ele não conseguia entender. Mas ela nunca poderia dizer isso para o padre do vilarejo, mesmo porque ele estava sete palmos debaixo da terra desde que Rowena completara doze anos. Até o último instante ele a chamara de bruxa. E quando ela tentou salvá-lo, ele recusou sua ajuda, dizendo morrer com Jesus e os santos. De fato, morreu cercado deles, até virar não menos do que cinza junto com as estátuas da igreja! Ela bem que avisara-o, mas ele não ouvira. 

 

- A teimosia dos homens - ela suspirou, para o céu acima de sua cabeça.

 

A teimosia de todos. Como a única filha de uma família de bruxos, sabia o que aquilo significava. Apanhar sem saber o motivo, saber quando fugir e quando ficar. E aprender sobre a magia em segredo, pois ninguém poderia saber que uma feiticeira estava sendo treinada entre os famosos Ravenclaws de Falkirk - uma mulher nascida em uma família mágica não poderia saber de magia mais do que o necessário para não morrer de fome caso enviuvasse. Pois nem o casamento Rowena podia contemplar como fuga - pois sendo a filha caçula, e a única mulher, era seu dever cuidar de seus pais até a morte deles.

Era um fardo pesado para uma mulher tão jovem. Tinha só vinte e dois anos, e estava condenada a uma vida sem sabor e sem saber - pois o que seus irmãos sabiam e lhe podiam ensinar era pouco, e ela queria mais. Sentia que poderia aprender mais. Se ao menos houvesse um lugar como uma escola de magia, em algum lugar daquela ilha!

A única saída, ao que parecia, era a fuga. Não sabia direito para onde ir, mas sabia que não seria uma viagem fácil. Se revelasse a qualquer pessoa que era uma bruxa, dificilmente escaparia com vida. Sabia que muitos "trouxas" (como seus irmãos se referiam aos homens sem magia do vilarejo) pensavam como aquele falecido padre - bruxaria era a mesma coisa que chamar o Demônio para a Terra. E embora ela soubesse que aquilo era uma mentira, ela compreendia a cabeça dos homens. Sabia que eles nunca a entenderiam. Então, ela deveria se juntar com aqueles que eram como ela.

Olhou mais uma vez para os campos, as montanhas que ela tanto adorava. Dali a muitos anos, ela se lembraria daquela imensidão verde, sem nenhuma árvore por quilômetros, e pensaria no que tinha se transformado e no que tinha feito. E jamais se arrependeria. Fechou os olhos, e no instante seguinte estava fugindo. 

Continua...

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