Por Anna Fagundes

"Você acha que eu não sinto amor?
O que eu sinto por você é amor de verdade
Mas nos olhos deles eu vejo refletida
Uma abandonada, ignorada, rejeitada
Criança bastarda
Que nunca deveria ter sido concebida
Criança bastarda
Nascida na pobreza
Criança bastarda
Que nunca deveria ter sido concebida...
Criança bastarda
Olhe só para mim!

Comecei a minha vida
em um cortiço velho, destruído e gelado
Meu pai me abandonou, nem mesmo se casou com minha mãe
Eu dividia a culpa que minha mãe tinha
com medo que os outros soubessem que eu não tinha sobrenome...

O amor que nós contemplamos
vale a dor da espera
Poderemos acabar odiando
a criança que podemos estar criando!

Criança bastarda
que nunca deveria ter sido concebida
(espere, espere um pouco, amor...)
Criança bastarda
expulsa da sociedade
(espere, amor, espere um pouco...)
Criança bastarda
sempre em segundo lugar
(espere, espere...por que você não espera?)
Criança bastarda
diferente dos outros...

(Espere, espere, espere só um pouco...amor, espere...)

Eu comecei a escola
com uma roupa velha e rasgada que alguém jogou fora
Eu soube como era viver sempre na dúvida
De nunca ter as coisas simples
com medo que meus amigos vissem a culpa em mim.

Não pense que eu não preciso de você...
Não pense que eu não quero agradá-lo...
Mas nenhum filho meu vai carregar
a dor e a vergonha que eu suporto!

Criança bastarda, nunca boa o suficiente
Com medo, com vergonha, sem que ninguém entendesse...

Mas eu sempre vou te amar, sempre vou te amar...
(Espera, espera um pouco...apenas mais um pouco...)
Eu sempre vou te amar, sempre vou te amar...
(Criança bastarda... espere...espere um pouco...por que você não espera?)

(Supremes, Love Child)

Liverpool, 1964


- Você não sabe como é viver desse jeito.

- Eu não tenho culpa.

- Você nunca tem culpa de nada. É um santo.

- E você, o que é?

- Uma bruxa abandonada com um filho de colo! Eis o que eu sou!

- Você sempre pode voltar para casa.

- Não faço o mínimo de questão, Peter. Eu fui expulsa de lá e não vou voltar. Nunca!

Ela era uma bruxa alta, o cabelo sempre oleoso caindo pelos ombros como algas marinhas nas pedras da praia. Dormindo ao seu lado na cama apertada de um apartamento em Liverpool, estava um bebê de seis meses de idade. Tinha sido expulsa de sua casa, no sul do país, quando os pais descobriram que ela estava saindo com um trouxa.

Quando ele soube que estava se relacionando com uma bruxa, ele a abandonou, grávida de seis semanas, em uma cidade que ela não conhecia e com gente que ela nunca vira na vida. Agora seu irmão tinha achado-a e tentava convencê-la a voltar para casa. Ele não compreendia porque, entre a opulência da casa de seus pais e aquela casa fria e feia, ela preferia mil vezes o lugar onde ela estava.

- E como você pretende criá-lo, Alexia? Você não tem dinheiro, mora numa toca!

- Não é da sua conta. Nunca foi. Não se preocupe com isso, Peter. Ele foi registrado com o sobrenome do pai, não vai ser uma vergonha para ninguém do seu clã. Agora vá embora. Eu não quero que você volte nunca mais. Ele não é filho seu, é meu, e ninguém da família tem nada a ver com isto.

- Você registrou-o como o sobrenome do pai?

- O que você queria? Que eu o batizasse como Severo Potter? Nem em sonhos! Não o chamarei deste modo enquanto viver! O nome desta criança é Severo Snape, como o pai dele se chamava. Nunca deixei de amar o pai desta criança. Ele pode ter me deixado, mas eu vou ser sempre dele. E se ele quiser voltar, vai encontrar a porta aberta sempre.

- Bom, você é quem sabe. Diga então ao seu filho quando ele crescer que ele tem um primo. O filho de John e Angela nasceu na semana passada.

- É mesmo? E qual o nome do bebê?

- Tiago.

- O legítimo herdeiro dos Potters, já que você não pode ter filhos. É, um destino bom para o John.

- Poderia ter sido este filho seu.

- Não, não poderia. Ele é filho de trouxa e como o pai será nomeado. Vocês me jogaram para fora de casa quando eu fiquei grávida...pois agora eu seguirei o meu caminho. Ele é doloroso. E sem nenhum retorno.

Londres, 1981

- Eu sinto muito por isso. Eu sei que você tinha o direito de saber, Severo meu filho. Mas não pude contar. Você não me perdoaria. Era preciso que você crescesse para entender.

- E ter me entregue ao jugo de Voldemort, para ter do que me arrepender!

- Eu sempre te disse que ele não era a salvação de ninguém, nem mesmo a tua.

- Dumbledore me deu um emprego. Sou professor em Hogwarts agora...e espião para ele, do que acontece com os seguidores...os outros seguidores...Por que você nunca...

Severo Snape ergueu o rosto para ver sua mãe, Alexia, mais uma vez. Ele sabia que ela estava morrendo. E na condição de moribunda, tinha declarações e segredos para seu único filho. Segredos sobre a família que ele nunca soube quem era, que ele sempre ignorara na escuridão da toca onde vivera na infância, das risadas dos colegas de escola.

O homem que ele mais odiava na Terra estava morto. E ele era de sua família. Nunca soubera de nada. Nem ele. Nunca tinham sido informados do laço que os unia, na distância e no ódio. E agora que ele soubera de sua morte, o gosto mais do que amargo do arrependimento lhe tomava conta do corpo. Nunca soubera de nada. Nunca soubera nada de si mesmo, de sua ascendência, e agora sabia - e desejava que sua mãe nunca tivesse dito o que ele antes desejava saber.

- Eu sou uma Potter, meu filho. Renunciei aos títulos, ao sobrenome, à herança, para ficar com o seu pai. Eu nunca me arrependi de nada. Mesmo quando ele me deixou, eu nunca deixei de amá-lo.

- Nem mesmo sabendo que isso nos acarretaria a pior vida? Aquela casa gelada e cheia de ratos, a falta de dinheiro, tudo? Mesmo sabendo disso, mesmo sabendo que você poderia ter sido rica ?

- Mesmo sabendo de tudo isso. Eu poderia ter dado a você uma vida mais confortável, mas você continuaria sendo um filho bastardo para eles. Filho de trouxa nunca é bom o suficiente para eles...e o seu pai, sendo a pessoa que ele era...não, Severo, nunca me arrependi de nada. Você sempre foi a melhor recompensa de todas. Você fez tudo isso valer a pena.

Alexia suspirou ainda mais uma vez, muito cansada. A doença comia seu corpo como um lobo engole a carne de sua vítima. Era uma questão de minutos, se muito. Mas ela, ainda assim, falava.

- Harry é filho de seu primo, Severo. Prometa-me que você não vai matá-lo quando vocês se encontrarem. Eu sei que você o tratará mal, você é meu filho e eu no seu lugar faria o mesmo. Mas por favor, não lhe cause dor. Eu lhe peço que você o poupe de seu ódio contra Tiago. Vai chegar a época que vocês dois precisarão se unir...e o sangue que me separou dos meus vai unir vocês dois...

- Eu não posso prometer isso.

- Pode e vai. Porque eu te imploro, Severo. Para que o ódio não se propague por mais uma geração. Para que não se cimente em ombros jovens. Você precisa prometer, Severo, que não vai causar dor ao último herdeiro legítimo dos Potters. Ele e você tem uma missão escrita...nos livros dos futuro. Ele é uma criança sem pai nem mãe, e não vai merecer mais dor do que a que ela irá sofrer nestes anos que a separam de seu destino.

Severo Snape não respondeu. Apenas olhou pela janela, vendo os pássaros se juntando nos fios dos postes trouxas. Frases corriam por sua mente, enquanto pensava no que sua mãe tinha dito.

Criança bastarda, que nunca deveria ter sido concebida.

Missão escrita nos livros do futuro.

Você e Voldemort são tão parecidos - filhos de bruxas, abandonados por trouxas. Isso pode unir vocês quando o reino dos bruxos for dele.

Criança bastarda, nunca boa o suficiente.

Eu dividia a culpa que minha mãe tinha, com medo que os outros soubessem que eu não tinha sobrenome...

Ninguém sabe o que eu passei, aquela casa cheia de ratos, aquele frio que congelava os ossos. As risadas, os comentários. As pessoas que apontavam para mim na rua. Ninguém pode imaginar como foi.

Criança bastarda...

Mas eu sempre amarei você.

Severo voltou-se para a mãe. Ela parecia absorta em pensamentos maiores do que ele poderia adivinhar.

- Que assim seja, então. Quando chegar a hora e nós nos encontrarmos, eu não vou conseguir deixar de odiá-lo. Mas eu vou ter em mente que ele é meu sangue...tanto quanto Tiago foi um dia.

Mas eu sempre amarei você.

-Eu só queria que o Tiago soubesse disso - ele suspirou - Para que ele também não me odiasse tanto.

- Não faz diferença agora, Severo...o passado não pode ser mudado...cuide do futuro...só cabe a você decidir o que fazer. Você cometeu erros na vida, muitos erros. Faça com que seu futuro seja pelo menos melhor do que o presente que se anuncia para você. Eu sempre vou te amar, Severo. Nunca se esqueça, quando chegar a hora da batalha, que por amor eu abandonei o mundo...e você nunca deve ter medo de fazer o mesmo!

Não pense que eu não te amo...mas nenhum filho meu carregará a dor e vergonha que eu suporto.

Eu vou cumprir o que você me pediu...mas não me peça para não odiá-lo.

Apenas não peça para que eu não o odeie...

Volta à página principal

Gráficos desta página: Moyra Web Jewels. Usado com permissão da artista.

1